HISTÓRIA FATO FICÇÃO Texto projetado fora do teatro [música clássica]
Um boneco pergunta pro outro: Você trocaria todo o seu passado por um punhado de futuro em branco?
Quando os bonecos refletem...
Fernando Kinas
Uma experiência coletiva
Erfahrung / Erlebnis
Ficha Técnica do espetáculo
Direção e Dramaturgia - Fernando Kinas
Elenco - Andréa Obrecht, Gabriel Gorosito, Pablito Kucarz, Renata Hardy e Rodrigo Ferrarini
Iluminação - Waldo Leon
Sonoplastia - Vadeco e Fernando Kinas
Cenário e Figurino – Fernando Marés
Vídeos - Marlon de Toledo
Produção Executiva - Adriano Esturilho
Realização: Pausa Companhia
quinta-feira, 8 de maio de 2008
Algumas Fontes Febris
Quando o teatro é Vírus
Produzir uma peça é apenas uma das etapas do desenvolvimento do trabalho de um grupo. Buscamos obsessivamente o aquecimento de nossas motivações e inquietações para que elas sejam expostas em cada obra que realizamos. A montagem de Febre – Um Sintoma Cênico dá seqüência a uma cadeia de discussões, originadas na peça Menos Emergências, sobre mecanismos sociais, violência e mídia. Lidar com essas questões significa para nós uma série de desafios no sentido de extrair das muitas questões investigadas, matéria prima para se pensar no homem e na sociedade de hoje.
Estamos expostos, confusos, febris: nossas experiências fazem parte deste processo e desafiam nossas certezas.
Estamos, habitualmente, adaptando, falsificando, forjando evidências para ajustar o nosso organismo, nossa razão, às condições de sua existência. Mas porque não incluir, como parte deste exercício, o reconhecimento das nossas fragilidades, discuti-las e confronta-las?
Ao convidarmos Fernando Kinas para criar o roteiro e dirigir este projeto, sabíamos pela própria trajetória dele, que acabaríamos também por abordar questões sobre a experiência teatral como ferramenta para refletir o mundo; além da idéia de jogo e brincadeira como chance para a descoberta e fruição da vida. Tínhamos nossas inspirações/inquietações e acreditamos que elas mereciam do teatro uma posição.
PAUSA CIA
Ps.1. O Projeto Valêncio inclui além de “Febre...” a peça “Mez da Grippe” de Valêncio Xavier, que tem sua estréia marcada para o dia 24 de julho no Teatro Novelas Curitibanas.
Ps. 2. A Pausa Companhia surgiu em 2003 e produziu as peças “Gravidade Zero” de Mário Bortolotto, “Aperitivos” de Mark Harvey Levine e “Menos Emergências” de Martin Crimp.
terça-feira, 6 de maio de 2008
A febre lúcida - Texto Fernando Kinas
Assim como as ficções podem ter a força da realidade, a febre pode trazer alguma lucidez que o nosso tempo, à força de mistificações, esforça-se sistematicamente em minar. Com o socorro de muitos companheiros, entre velhos parceiros e novos conhecidos, este “sintoma cênico” propõe uma lufada poética e investigativa sobre o poder da experiência coletiva (erfahrung, na terminologia benjaminiana) na construção de uma vida mais autônoma, menos submissa.
A grande epidemia de gripe, que entre 1918 e 1920 dizimou mais de 20 milhões de pessoas em todo o mundo, é agora um duplo pretexto. Primeiro, em 1981, foi pretexto para Valêncio Xavier construir uma novella rebelde, na forma e no conteúdo, embaralhando histórias para nos contar algo precioso envolvendo os estertores da Primeira Guerra Mundial, a gripe espanhola na cidade de Curitiba, a hipocrisia social e o subterrâneo - comum e mal guardado - de vícios, loucuras, taras e desejos. Depois, em 2008, virou pretexto para este trabalho, que ao embaralhar ficção, fato e história, reúne o velho mundo (não rendido) de Artaud, Pasolini, Hobsbawm, Benjamin, Heiner Müller e Brecht, com o novo mundo (igualmente não rendido) de Oswald de Andrade, Chico Buarque, Los diablitos, Leandro Konder, entre tantas outras contribuições, para dar sentido e alternativa à desrazão cínica vendida como inevitável.
Humanizar o humano!, como diz Edward Bond, pode ser uma das tarefas do teatro. Quando a forma-mercadoria ameaça engolir todo o pensamento crítico e criativo, anatematizando valores, para no lugar deles entronizar um pragmatismo filisteu e idiotizante, é preciso reencontrar o humano na humanidade. E assim, o anacronismo do teatro entra em ação como um possível – embora muito modesto - antídoto ao cinza dos dias.
A febre pode ser um bom estado de lucidez alterada. Na febre, quem sabe?, esta condição que contraria o morno cotidiano e o insosso publicitário vestido em pele de novidade, haja uma chance de ver o que teima em se esconder. A febre é a nossa grande metáfora para a indispensável agitação que vai sendo dissolvida na apatia e no descaso. Idéias livres, como aquelas do Calabar, são como vírus, devem ser apropriadas e passadas para a frente. Mas é preciso ter muitos olhos e muita disposição. Olhos clínicos e ternos. Vontades individuais e mecanismos coletivos. E é preciso ainda generosidade e cuidados sinceros.
“Eu creio que o homem está maduro para algo mais”, diz uma das personagens de Elio Vittorini em Conversa na Sicília. E o Hierofante de Oswald de Andrade completa do alto da sua ironia indignada: “Vamos, começai.”
Fernando Kinas