HISTÓRIA FATO FICÇÃO Texto projetado fora do teatro [música clássica]

O objetivo deste experimento teatral poderia ser o de apresentar uma discussão sobre a novela O Mez da Grippe, escrita por Valêncio Xavier. Poderíamos fazer referência pelo modo com o qual o autor organiza os seus múltiplos elementos textuais e visuais com o intuito de provocar diferentes reações do leitor/espectador em sua atitude para com texto e a realidade. Nosso objetivo poderia ser também o de mostrar que o diálogo estabelecido entre indivíduo, texto e contexto enfatiza o papel do leitor/espectador na construção da própria obra e desafia nossas certezas em relação aos conceitos de história, fato e ficção.

Um boneco pergunta pro outro: Você trocaria todo o seu passado por um punhado de futuro em branco?

Um boneco pergunta pro outro: Você trocaria todo o seu passado por um punhado de futuro em branco?

Quando os bonecos refletem...

"A febre é o momento em que a imaginação disputa com o real. É um estado de lucidez alterada. É a chance de ver o que está atrás da cortina. A febre é apenas um sintoma. Um sintoma expressa uma doença. A expressão revela. O que está atrás da cortina? É um bom estado de lucidez alterada. A gripe, a peste, a guerra, isto aqui (a marionete faz os gestos apontando), a mão, a carne, o refletor, você, a caixa de som, o teatro, tudo isso é real, é ficção, documento, invenção, ciência, poesia".
Fernando Kinas

Uma experiência coletiva

Uma  experiência coletiva

Erfahrung / Erlebnis

"Erfahrung é o conhecimento obtido através de uma experiência que se acumula, que se prolonga, que se desdobra, como numa viagem (viajar em alemão é fahren). O sujeito integrado numa comunidade dispõe de critérios que lhe permitem ir sedimentando as coisas com o tempo. Erlebnis é a vivência do indivídua privado isolado. É a impressão forte que precisa ser assimilada às pressas, que produz apenas efeitos imediatos."

Ficha Técnica do espetáculo

Ficha Técnica

Direção e Dramaturgia - Fernando Kinas
Elenco - Andréa Obrecht, Gabriel Gorosito, Pablito Kucarz, Renata Hardy e Rodrigo Ferrarini
Iluminação - Waldo Leon
Sonoplastia - Vadeco e Fernando Kinas
Cenário e Figurino – Fernando Marés
Vídeos - Marlon de Toledo
Produção Executiva - Adriano Esturilho
Realização: Pausa Companhia

terça-feira, 6 de maio de 2008

A febre lúcida - Texto Fernando Kinas

Febre e lucidez

Assim como as ficções podem ter a força da realidade, a febre pode trazer alguma lucidez que o nosso tempo, à força de mistificações, esforça-se sistematicamente em minar. Com o socorro de muitos companheiros, entre velhos parceiros e novos conhecidos, este “sintoma cênico” propõe uma lufada poética e investigativa sobre o poder da experiência coletiva (erfahrung, na terminologia benjaminiana) na construção de uma vida mais autônoma, menos submissa.

A grande epidemia de gripe, que entre 1918 e 1920 dizimou mais de 20 milhões de pessoas em todo o mundo, é agora um duplo pretexto. Primeiro, em 1981, foi pretexto para Valêncio Xavier construir uma novella rebelde, na forma e no conteúdo, embaralhando histórias para nos contar algo precioso envolvendo os estertores da Primeira Guerra Mundial, a gripe espanhola na cidade de Curitiba, a hipocrisia social e o subterrâneo - comum e mal guardado - de vícios, loucuras, taras e desejos. Depois, em 2008, virou pretexto para este trabalho, que ao embaralhar ficção, fato e história, reúne o velho mundo (não rendido) de Artaud, Pasolini, Hobsbawm, Benjamin, Heiner Müller e Brecht, com o novo mundo (igualmente não rendido) de Oswald de Andrade, Chico Buarque, Los diablitos, Leandro Konder, entre tantas outras contribuições, para dar sentido e alternativa à desrazão cínica vendida como inevitável.

Humanizar o humano!, como diz Edward Bond, pode ser uma das tarefas do teatro. Quando a forma-mercadoria ameaça engolir todo o pensamento crítico e criativo, anatematizando valores, para no lugar deles entronizar um pragmatismo filisteu e idiotizante, é preciso reencontrar o humano na humanidade. E assim, o anacronismo do teatro entra em ação como um possível – embora muito modesto - antídoto ao cinza dos dias.

A febre pode ser um bom estado de lucidez alterada. Na febre, quem sabe?, esta condição que contraria o morno cotidiano e o insosso publicitário vestido em pele de novidade, haja uma chance de ver o que teima em se esconder. A febre é a nossa grande metáfora para a indispensável agitação que vai sendo dissolvida na apatia e no descaso. Idéias livres, como aquelas do Calabar, são como vírus, devem ser apropriadas e passadas para a frente. Mas é preciso ter muitos olhos e muita disposição. Olhos clínicos e ternos. Vontades individuais e mecanismos coletivos. E é preciso ainda generosidade e cuidados sinceros.

“Eu creio que o homem está maduro para algo mais”, diz uma das personagens de Elio Vittorini em Conversa na Sicília. E o Hierofante de Oswald de Andrade completa do alto da sua ironia indignada: “Vamos, começai.”


Fernando Kinas

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